COLEÇÃO COMPORTAMENTO HUMANO
A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA
Uma contribuição ao estudo do comportamento violento
1ª EDIÇÃO
Luiz Gonzaga de Freitas Filho

NOME – E D I T O R A
Capa: do autor
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Revisão:
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Filho, Luiz Gonzaga de Freitas.
A Prevenção da Violência: Uma contribuição ao estudo do comportamento violento/ Luiz Gonzaga de Freitas Filho – Sete Lagoas, MG E d i t o r a, 2010. - (Coleção Comportamento Humano)
Bibliografia.
ISBN 00‑000‑0000‑0
1. Comportamento 2. Violência 1. Título. II. Série.
00 - 0000 CDD‑ 000.00
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Índices para catálogo sistemático:
1. Cultura e Comportamento : Sociologia 000.00
2. Comportamento: Aspectos sociais 000.00
3. Comportamento e cultura: Sociologia 000.00
1ª edição
2010
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Biografia do autor: (orelha do livro)
Luiz Gonzaga de Freitas Filho é médico formado pela Universidade Federal do Pará (1970); com curso de formação didática em Psicanálise pelo Grupo Brasileiro de Psicoterapia Analítica de Belo Horizonte/MG (1979/1983). Atuou como Médico chefe da Unidade Sanitária de Maués e assistente na Unidade Hospitalar de Parintins - FSESP/AM (1971/1973) coordenou e executou programas de saúde pública. Dirigiu a Divisão de Saúde e Higiene da Secretaria de Saúde do então Território Federal de Roraima (1973/1974) e participou como assistente no Curso de Administração em Saúde Pública promovido pela SESPA/OPS/OMS. Em 1974 chefiou o serviço de socorros de urgência do mesmo Território Federal de Roraima. Em 1976 dirigiu o Hospital da Paranapanema S/A durante o período de abertura de um trecho da rodovia Perimetral Norte. Participou como médico na Unidade de Saúde Eletronorte durante o início de implantação da usina hidroelétrica de Tucuruí/PA na execução de trabalhos de Clínica e Assistência Materno‑Infantil. Foi, de 1976 a 1985, psiquiatra da antiga Escola FEBEM “Monsenhor Messias” em Sete Lagoas/MG, assessorando e executando trabalhos de reabilitação em comunidade terapêutica para menores Infratores. Durante o período em que viveu na Amazônia fez várias incursões em aldeias indígenas, coletando informações e estudando os trabalhos etnográficos de Pierre Clastres, Bronislaw Malinowski, Protázio Frikel, entre outros etnólogos e antropólogos, que produziram trabalhos de campo. Atualmente desenvolve e aplica em consultório metodologia própria para uso em psicoterapia analítica e medicina psicossomática, criando alternativas de profilaxia em saúde mental com seus Grupos de Apoio Familiar.
É autor dos trabalhos:
F"Viver eu quero, conviver é preciso!" (texto).
FRelação de Qualidade (treinamento de pais e educadores para prevenir comportamentos reativos em crianças e adolescentes (slides eletrônicos do Power Point)).
FA Origem da Violência: Uma contribuição ao estudo do comportamento violento.
FMemórias de um hospital psiquiátrico
Em parceria:
FManual da Comunidade-Escola: uma experiência bem sucedida em comunidade de menores infratores (texto).
FAprendendo a Ensinar: uma experiência com alfabetização de adolescentes marginalizados (texto).
FAmadeu, um caso especial: uma experiência com menor considerado infrator de “alta periculosidade” (texto).
Em fase de elaboração:
A GÊNESE DA VIOLÊNCIA
“A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família. As crianças apenas permanecem
ligadas ao pai o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação. Assim que cesse tal
necessidade, dissolve-se o laço natural. As crianças, eximidas da obediência devida ao pai, o pai isento
dos cuidados devidos aos filhos, reentram todos igualmente na independência. Se continuam a
permanecer unidos, já não é naturalmente, mas voluntariamente, e a própria família apenas se mantém
por convenção.
Esta liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em proteger
a própria conservação, seus primeiros cuidados os devidos a si mesmo, e tão logo se encontre o homem
na idade da razão, sendo o único juiz dos meios apropriados à sua conservação, torna-se por si seu
próprio senhor.
É a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é a imagem do pai, o povo a
imagem dos filhos, e havendo nascido todos livres e iguais, não alienam a liberdade a não ser em troca da
sua utilidade. Toda a diferença consiste em que, na família, o amor do pai pelos filhos o compensa dos
cuidados que estes lhe dão, ao passo que, no Estado, o prazer de comandar substitui o amor que o chefe não sente por seus povos.”
Jean-Jacques Rousseau
A VONTADE GERAL É INDESTRUTÍVEL.
“Enquanto numerosos homens reunidos se consideram como um corpo único, sua vontade também é única
e se relaciona com a comum conservação e o bem-estar geral. Todas as molas do Estado são então
vigorosas e simples, suas sentenças são claras e luminosas; não há interesses embaraçados,
contraditórios; o bem comum mostra-se por toda parte com evidência e apenas demanda bom senso para
ser percebido. A paz, a união, a igualdade são inimigas das sutilezas políticas. Os homens retos e simples
são difíceis de enganar, justamente em virtude de sua simplicidade; os engodos, os pretextos refinados,
não se impõem a eles, que, de resto, não são assaz sutis para serem tolos. Quando vemos, entre o povo
mais feliz do mundo, grupos de camponeses regularizarem, à sombra de um carvalho, os negócios do
Estado, e se conduzirem sempre com sabedoria, podemos evitar o menosprezo dos refinamentos das
outras nações, que se tornam ilustres e desdenhadas com tantos artifícios e mistérios?
Um Estado assim governado necessita de bem poucas leis; à medida que se torne necessário promulgar
outras novas, todos percebem tal necessidade. O primeiro que as propõe não faz senão dizer o que todos
já sentiram, e não haverá problemas de disputas nem de eloqüência para transformar em lei o que cada
qual, individualmente, já tinha resolvido fazer, certo de que os demais o farão como ele.
O que engana os tagarelas é que, não vendo senão Estados, desde as suas origens, mal constituídos, ficam
aturdidos perante a impossibilidade de aí manter idêntica administração. Riem de imaginar todas as
tolices que um hábil impostor, um palrador insinuante, poderia insinuar no povo de Paris ou de Londres.
Ignoram que Cromwell foi posto em ridículo pelo povo de Berna, e que o Duque de Baufort foi
disciplinado pelo de Genebra.
Mas, quando o vínculo social começa a afrouxar e o Estado a enfraquecer, quando os interesses
particulares principiam a fazer-se sentir e as pequenas sociedades a influir sobre a grande, o interesse
comum se altera e encontra opositores; a Humanidade não reina mais nos votos; a vontade geral deixa de
ser a vontade de todos; erguem-se contradições, debates, e a melhor opinião não é aceita sem disputas.
Do Contrato Social
Enfim, quando o Estado, próximo de sua ruína, apenas subsiste através de uma forma vã e ilusória,
quando o laço social se rompe em todos os corações, quando o mais vil interesse se adorna
afrontosamente com o nome sagrado do bem público, então a vontade geral emudece, todos, guiados por
motivos secretos, deixam de opinar como cidadãos, como se o Estado jamais houvesse existido, e são
aprovados falsamente, a título de leis, decretos iníquos cujo único fim é o interesse particular.
Segue-se daí que a vontade geral esteja debilitada ou corrompida? Não; ela é sempre constante,
inalterável e pura; mas está subordinada a outras que a subjugam. Cada qual, destacando o próprio
interesse do interesse comum, percebe que os não pode dividir completamente; mas parece-lhe
insignificante sua parte do mal público perto do bem exclusivo de que deseja apropriar-se. Excetuado
esse bem particular, cada qual pretende o bem geral em seu próprio interesse, nisso empregando o
mesmo ardor que os demais. Mesmo vendendo o seu sufrágio a peso de ouro, não extingue em si a
vontade geral; engana-a. O crime que comete está em mudar o estado do problema e em responder outra
coisa que não a que se lhe pergunta; de sorte que, ao invés de dizer, no concernente ao seu sufrágio, é
vantajoso ao Estado, diz: é vantajoso a tal homem, a tal partido, ou a que seja aprovada esta ou aquela
opinião. Assim sendo, a lei da ordem pública nas assembléias não consiste quase em manter a vontade
geral, mas em fazer com que esta seja interrogada e que sempre responda.
Eu teria nesta altura muitas reflexões a fazer sobre o simples direito de votar em todo ato de soberania,
direito que ninguém pode subtrair ao cidadão, e sobre o direito de opinar, de propor, de dividir, de
discutir, que o governo, com grande cuidado, sempre procura reservar apenas a seus membros; mas esta importante matéria demandaria um tratado à parte, e eu neste não posso dizer tudo.”
Jean-Jacques Rousseau
A estória do contrato social simplificado (entre brancos)
Quando um grupo de lavradores sentados à sombra de uma árvore, discutiu sobre a partilha do produto que havia semeado, plantado e colhido, ficou acertado que tudo seria distribuído igualitariamente entre os produtores ali reunidos. Esse acordo poderia ser alterado no momento em que qualquer um quisesse acrescentar uma nova sugestão. Assim decorreu desde o surgimento da agricultura na sociedade humana.
Depois surgiram os não-produtores, os que queriam reivindicar seus direitos sobre os bens produzidos pelo grupo produtor. Nessa fase surgiram os parasitas, os ladrões e, para apoiá-los, o Estado com suas instituições e leis pervertidas por anarquistas para desorganizar as relações produtivas e a convivência social.
A estória do contrato social simplificado (entre índios não aculturados)
Dizemos que uma sociedade é antropocêntrica quando situa a figura humana (e sua convivência) no centro dos interesses do grupo. O resultado desse tipo de organização é a formação das sociedades naturais, onde a solidariedade e o respeito pelas normas fortalecem a coesão do grupo. Da mesma forma chamamos de ergocêntrica a uma sociedade que situa o trabalho (e os bens produzidos por ele) no centro dos interesses do grupo, onde a competição excessiva entre seus membros e o desrespeito pelas normas enfraquece a coesão do grupo. No primeiro caso é valorizado o coletivismo, isto é, o bem-estar dos membros do grupo; no segundo, é valorizado o individualismo, isto é, o bem-estar individual dentro do grupo. O resultado desse último tipo de organização é a formação das sociedades de classes e da competição destrutiva entre seus membros.
Nas comunidades naturais o poder emana da Lei-Tradição (ancestralidade, mitologia) e é evocada pelo líder, com freqüência, para ser aprendida pelo grupo, tornando-se consensual. Se o líder não possui poder de mando é porque a comunidade não cria instituições que lhe outorguem essa função de poder. O grupo concede ao líder (chefe) o “prestígio de representação” e lhe nega a “função de poder” para evitar o “abuso de poder” e o aparecimento da violência. Esse é o princípio da liberdade comunitária: tornar o poder impessoal (tradição) para não lidar com a vontade pessoal (coerção). Uma sociedade que se organiza sem o Estado.
Um exemplo: O Arco
Um guerreiro saiu de sua casa e atravessou o terreno central da aldeia. Bem no meio do caminho abaixou-se, deixou seu arco e flechas no chão e se embrenhou na mata. Poucos minutos depois sua mulher fez o mesmo percurso e notou no chão o arco e flechas do marido. Identificou e seguiu, sem parar, para o seu destino. Mais alguns minutos e o guerreiro voltou, retomou suas armas do chão e penetrou na floresta.
Comentário: A maioria das pessoas não teria notado qualquer importância nisso que acabamos de narrar. Mas perguntamos: o que é que a maioria das mulheres branca faz quando encontram um objeto do marido no chão?
Para certos grupos os objetos pessoais são de propriedade de uma pessoa apenas. Só deixam de ser quando é autorizado, pelo proprietário, outro tipo de uso. Nenhuma outra pessoa deve exercer qualquer tipo de poder sobre ele sem autorização, como por exemplo: trocá-lo de lugar, pegar sem pedir, etc. Cada pessoa é o único detentor do poder sobre seu objeto pessoal e quando essa pessoa morre, seus objetos são enterrados com o corpo, pois nenhum objeto pode sobreviver ao seu dono. Os objetos usados em cerimoniais sagrados só podem ser tocados por certas pessoas do grupo durante os rituais; encerrada a cerimônia ele passa a ser um objeto qualquer que pode ser usado livremente e até servir de brinquedo para as crianças. Em vários grupos o objeto é visto pelo seu valor utilitário (função) e não possui valor comercial. O que uma pessoa faz ou deixa de fazer com seus objetos é de sua inteira responsabilidade, e ninguém se sente com direito de emitir qualquer tipo de comentário. Comentar seria invadir a privacidade e se intrometer na individualidade do proprietário, coisa ridícula para as sociedades sábias.
Luiz Gonzaga de Freitas Filho
COMPORTAMENTO HUMANO ECONVIVÊNCIA
Comportamento é ação de pessoas, é um fenômeno que envolve, antes de tudo, gente. É um ramo que abrange várias ciências concomitantemente e não pertence ao campo das ciências exatas. Transcende a esfera das meras relações econômicas.
A tendência da humanidade é a de se concentrar nas grandes cidades, o que torna esses núcleos humanos muitas vezes fonte de violência e neurose urbanas.
Dado esse quadro, vemos atualmente deteriorar-se cada vez mais as relações humanas, proporcionando ao indivíduo a experiência da violência nessas relações, que o distanciam da convivência harmoniosa e produz alterações no seu psiquismo e no seu meio ambiente, tornando-o cada vez mais hostil e inadequado para o bem‑estar em comum.
Esta coleção pretende ser uma ferramenta de reflexão para todos os que se interessam pelo fenômeno da violência e pelos fatores que determinam sua existência e expansão, assim como para os profissionais atuantes no estudo dessa área, atendendo à demanda por bibliografia nacional e por novas visões da dinâmica social que possam unir vários interesses acadêmicos no grande desafio de fazer com que, no futuro, a vida em sociedade e sua compreensão não sejam mais um privilégio de minorias, mas um direito de todo cidadão.
Coordenador
Este livro é dedicado ás pessoas que desejam a emergência de um mundo mais harmonioso onde, convivência e ambiente possam somar para o futuro. Minha utopia é prevenir a destrutividade – condição inerente à natureza humana – resgatando aos que ainda não conseguem conviver solidariamente.
AGRADECIMENTOS
A todos que, de forma direta ou indireta, tornaram possível esta obra. Á minha família, que por longo tempo suporta meu afastamento relativo da vida em comum para me dedicar à confecção deste trabalho.
SUMÁRIO
Apresentação e objetivos
Este texto tenta focar a idéia de que estamos em outra era. Um tempo em que as ideologias cederam seu lugar à lógica da convivência pacífica. Onde a humanidade após experimentar vários modelos de relação entre individuo e Estado, começa a compreender que não é a organização institucional e ideológica dos sistemas que promove o equilíbrio social; onde o comportamento individual maduro e sensato se sobrepõe ao impulso neurótico de controle entre grupos – nos espaços institucionais - com interesses divergentes.
Afinal, se todos proclamam a utopia da igualdade, da liberdade e da paz, a quem pode interessar as guerras, as ideologias, os assassinatos, os estupros e as outras formas de destrutividade que ainda persistem? Senti sempre a necessidade de compreender e sistematizar a compreensão do comportamento das pessoas nesse paradoxo das diferenças de comportamentos.
Partindo da lógica de que a Biosfera é um sistema fechado que está sempre tentando equilibrar-se para manter a Vida e de que os seres com vida são seus componentes; considerando que a humanidade se auto proclama como sendo “racional”, onde se situam as razões lógicas para um comportamento reativo-destrutivo que não aponta para soluções efetivas?
Para que servem os regimes políticos que o homem inventa, se durante milênios ainda não conseguiram um novo modelo que torne real seus desejos de igualdade, liberdade e paz?
Costumo observar e comparar as “torcidas organizadas” do futebol com as “torcidas organizadas” na política e na ideologia. Vejo nelas uma semelhança em que o ganhador do torneio, acreditando que é o vencedor, não percebe a fugacidade dessa vitória. A cegueira ou o fanatismo não o deixa perceber a variável TEMPO. O perdedor apela para a violência irracional sem perceber que já foi um dia campeão também. O que resulta é a violência, que se cristaliza no comportamento primário e destrutivo, destituído de qualquer raciocínio lógico que beneficie as duas partes.
Seguindo esse eixo de comparações do comportamento, o presente texto tenta discutir conceitos referentes às sociedades pré-letradas e pós‑industriais, priorizando o enfoque das organizações dessas sociedades – e dos comportamentos individuais – como fatores facilitadores ou inibidores das formas de violência que conhecemos atualmente.
No decorrer das análises, procurei não me prender a uma abordagem acadêmica e a uma linguagem hermeticamente científica para permitir maior clareza e torná-lo mais accessível. Tentei contestar e ampliar conceitos médicos usados em psiquiatria, sugerir uma classificação das alterações do comportamento que se torne mais próxima da realidade do que as que estão sendo utilizadas atualmente e que se orientam por parâmetros semelhantes aos utilizados para as doenças físicas, cuja origem remonta ao século XVI.
Acredito ter aberto caminho no sentido de ampliar o uso das psicoterapias para a direção da profilaxia e da educação. Mas agora a idéia é mais promissora, embora ainda complexa.
Na verdade o que posso ter feito foi dar um primeiro passo alternativo para pesquisas mais profundas na área da compreensão do comportamento humano e da sua aplicação prática. Os estudantes e profissionais de diferentes áreas, através do conteúdo desse texto, terão farto material para crítica e reflexão. É necessário que as pessoas saiam, de vez em quando, do horizonte civilizado e conheçam outras realidades; que troquem de ângulo visual e se disponham a viver no mundo sem as lentes estreitas do dogmatismo e do puro conservadorismo.
Este texto é apenas uma contribuição no sentido de levar a discussão sobre o comportamento humano para o cotidiano, para as rodas dos que se interessam pela convivência. Comportamento humano não é assunto para ficar preso aos domínios dos acadêmicos ou dos profissionais da área. Tampouco pode ser encarado como conversa fácil, passível de ser resolvida sem maiores mergulhos intelectuais, pelo senso comum das esquinas e mesas de bar.
Escrever é como ter uma relação privilegiada com os outros. Quando o interlocutor não está presente, a imaginação é livre, a idéia torna-se verdade e lei. É como encontrar um espaço de liberdade na solidão. Uma liberdade relativa, pois sabendo que os outros irão ler o que escrevemos, tomamos cuidado e nos tornamos, ás vezes, rígidos censores da nossa imaginação.
Viver em sociedade é uma coisa muito parecida. Desejamos criar nossas próprias idéias e verdades, mas sabemos que elas perderão o sentido se não forem comunicadas e partilhadas com os outros. A convivência influencia nossas idéias e, elas, o nosso comportamento, mas o comportamento e as idéias dos outros enriquecem as nossas experiências. Escrever é uma forma virtual de conviver, com relação e sem presença física, pois os outros, embora ausentes, estão sempre presentes na imaginação de quem escreve. Não existe solidão absoluta, existem sim, duas formas de conviver: uma real e outra virtual.
Talvez tenham sido essas reflexões que impulsionaram este trabalho: saber que vivemos em dois planos simultâneos de convivência, um virtual (mental) e outro real (social). Perceber que o elemento intermediário entre esses planos é o comportamento, que pode expressar como nos sentimos na convivência, que pode reforçar ou enfraquecer mais ainda essa vontade de escrever, de viver e de conviver. É preciso admitir que o objetivo maior não seja apenas chegar à conclusão que o comportamento expressa o resultado dessas relações, mas que ele é o único meio que possuímos, na relação social, para manifestar nosso bem estar ou mal estar. A curiosidade em saber por que os indivíduos e as sociedades entram em crise e se comportam reativamente é privilégio de um pequeno grupo de pessoas, mas, quem sabe se a maioria delas também se interessa por esse assunto?
O desejo de saber para que serve a Vida e se o seu maior objetivo está mesmo voltado para a convivência, pode nos transportar para um campo onde atuam os intrincados mecanismos de interação e regulação mental e social.
Acabamos tendo que concluir que o Materialismo e o Poder impregnados no imaginário dos povos podem ser considerados uma doença, um impulso obsessivo e insaciável, que impede as relações pessoais de se organizarem fora dessa estreita concepção de Vida.
Foi nesses mesmos anos setenta que surgiram as primeiras e mais demoradas incursões no mundo da verdadeira “cultura brasileira” – o universo indígena. Foram essas experiências, muito difíceis de compreender no início, que me fizeram pensar com liberdade, melhorar o senso crítico, para poder refletir e contestar os fundamentos sobre os quais jazem os sentimentos, princípios e valores da vida civilizada. Foi um golpe mortal no meu etnocentrismo branco. Como bem disse o líder indígena Marcos Terena: “a civilização de vocês é o exemplo de uma cultura que não deu certo!”.
Esse certamente deve ter sido o principal objetivo de escrever - aprender sobre experiências obtidas em dois universos diferentes: o universo virtual do mundo civilizado, construído sobre sonhos intelectuais de grandeza, e o mundo da realidade natural, assentado nas possibilidades existentes da Natureza.
Alguns pensadores e filósofos tratam os “conceitos universais” como se fossem objetos descartáveis de uso pessoal. Já li muitos debates, sobre diferentes assuntos, entre doutores e pesquisadores. Com certeza todos deram - ou tiveram intenção de dar - alguma contribuição esclarecedora. Por ser este um tema amplo e complexo e pelo fato de não estar suficientemente pesquisado com a profundidade que exige, este trabalho serve também como uma contribuição motivadora para futuros estudos em área de Neurociências e em outros campos como a Etologia, Psicoantropologia, Genética e Antropologia Cultural. Sem a intenção de ser profeta diria mais: num futuro próximo acredito que as relações entre comportamento e relação social passarão a ser objeto de um novo ramo de pesquisa científica.
Talvez esses estudos possam estar dirigidos para uma área próxima a da teoria computacional da mente, da lógica imprecisa e dos processos elaborativos que fazem com que o cérebro “dê respostas” para situações onde estejam envolvidos, simultaneamente, os interesses do indivíduo, do seu grupo e do ambiente. Talvez um estudo aprofundado do genoma humano nos mostre alguns genes indutores da destrutividade influenciando o comportamento, que explique o conceito de “comportamento reativo (destrutivo)”.
O que conhecemos como sabedoria (conhecimento profundo) parece ser uma estratégia usada pelo sábio para divulgar conhecimento. Uma capacidade de armazenar suas verdades ou as verdades da sua cultura sob a forma de “verdades provisórias”, antes de falar ou escrever sobre elas. Como grande parte das verdades não resiste ao tempo, o sábio usa o silêncio excessivamente e fala moderadamente para manter-se sábio.
Minha utopia é resgatar, para a nossa civilização, a sabedoria que as sociedades naturais possuem. Quem sabe se um dia poderemos nos tornar também povos desenvolvidos?
Não sou um especialista em filosofia ou em dialética, mas aceito as críticas sérias. Não dou muita importância a títulos universitários, embora os considere uma base sólida para desenvolver o conhecimento. Penso que “a melhor qualificação para um bom profissional é estar construído sobre a base de um excelente cidadão”. O título mais importante que um indivíduo pode alcançar é o de Cidadão. O único título que possuímos, mesmo antes de nascer, quando somos esperados por nossos pais. É um título homologado pelo nascimento, gratuito e sem necessidade de qualquer esforço pessoal ou registro em cartório; porém, talvez seja o mais difícil de manter pelo resto da vida; uma honraria que precisa ser preservada com simplicidade, pois todos os outros indivíduos também são possuidores do mesmo título e todos eles são outorgados pela mesma Univers(al)idade. Quando morremos só levamos conosco duas coisas: o conhecimento que adquirimos e a convivência que tivemos. O resto fica!
Seguindo a lógica de que cada indivíduo possui sua própria personalidade e ela está sujeita às normas, variações e pressões do modelo familiar e cultural nos quais se situa e com os quais interage, todo comportamento apresenta-se diferenciado. E a maioria deles funciona de forma pré-programada.
Foi a partir do ano de 1972 que, seguindo essa linha de raciocínio, iniciei uma observação mais minuciosa do comportamento humano, através dos conceitos de Comportamento Ativo (construtivo, solidário) e Comportamento Reativo (destrutivo, agressivo), ambos relacionados ao meio sócio-familiar e cultural, onde se situam os indivíduos. Percebemos que as pessoas agem ou reagem frente a situações do meio ambiente externo (família, sociedade, cultura) e interno (psiquismo individual). Compreendemos que o intercâmbio entre esses meios é a forma singular da nossa existência e convivência e que a vida de cada um de nós circula entre esses dois pontos em busca de equilíbrio.
Estacionamos no ambiente externo (família, sociedade, cultura) e - talvez pelo fato de conhecermos pouco – o interno (psiquismo individual) ficou sem a importância que merece. Porém, nos últimos anos, algum conhecimento adquirido nos possa ajudar a compreender as funções cerebrais e a importância que pode ter nossa estrutura genômica e como funciona na expressão dos comportamentos diários.
De uma coisa estou certo: qualquer pessoa só poderá se sentir feliz na relação social se souber separar com bom senso os espaços entre seus limites e seus direitos, delimitando assim seu território individual dentro do amplo espaço social. Essa seria a arte de expressar-se na convivência.
Recentemente fui envolvido pela idéia de que é possível – senão extinguir, pelo menos – prevenir a violência, rebaixando-a a níveis suportáveis. Agora não mais através de modelos político-sociais, acordos ou instrumentos legais. Agora parece possível encontrar fatores objetivos que possam influenciar a qualidade do comportamento sobre os quais, muitas vezes, não temos qualquer controle consciente.
Tentaremos, através dos próximos capítulos, explicar essa lógica.
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