A Natureza e seus mecanismos
Interação, Integração e Função
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O eixo dinâmico dos mecanismos da Natureza é a Interação! A Interação é constante e geral, provoca as mudanças, promove a diversidade de formas, cores, situações e fatos. Até os elementos inanimados sofrem a ação desse eixo universal. Um exemplo visível está na força gravitacional; aquela força que mantém os corpos celestes em equilíbrio. Tudo está em movimento e se relaciona para resultar em algo novo. Tanto a Biosfera quanto o nosso corpo - que estão em contínuo processo de mudanças – necessitam interagir para manter a vida em movimento. Um bom exemplo é a reprodução.
Poderíamos dizer que a Interação é a principal função do Universo, ou que a Vida é Interação. A partir dessa premissa podemos entender a Natureza como um processo interativo entre elementos naturais animados e inanimados. Esse tipo de fenômeno quando ocorre nos seres humanos, de forma integrada, não só mantém o equilíbrio do corpo (fisiologia e anatomia) e do psiquismo (equilíbrio psicológico ou emocional) como patrocina e coordena a estrutura social (modelo sociocultural). Integra o ser como unidade individual e como parte do grupo social e do todo universal, como forma de matéria viva.
Um papel significativo da Interação1 é permitir a Integração2 entre as partes, para cumprir o objetivo da Função (função construtiva e reprodutiva3) que resulta na produção da Vida. Visto esquematicamente poderia ser assim:
INTERAÇÃO | INTEGRAÇÃO | FUNÇÃO | VIDA |

Interação pode significar Ativação ou Animação4, isto é, estado integrado e animado (com alma, com união, harmônica, estímulo ativo) entre as partes, resultando em produto ativo – a convivência, a Vida; mas também pode significar Reação5 (sem união, conflitivo, estímulo reativo) entre as partes, resultando em produto reativo – o conflito, a destruição, a morte.

Natureza e diversidade
Chamamos de Natureza a um conjunto de leis organizadoras da interação, integração e função entre unidades animadas ou inanimadas que coexistem num espaço e tempo determinado, com direções alternativas. Essa associação natural permite a reprodução e evolução dessas unidades, resultando numa diferenciação muito grande do conjunto – a Diversidade. Essa disposição interativa também é múltipla, dependendo do grau, da natureza, das propriedades e da qualidade de cada uma e da relação interativa entre elas.
Por exemplo, o simples balançar dos galhos de uma árvore pelo vento é considerada uma interação mecânica (natureza de interação); se possuir intensidade forte, pode partir esse galho (grau de interação); pode, se for frio, fazer cair as folhas (propriedade de interação), etc. Nesse caso essa interação está ocorrendo entre uma unidade não-viva (vento) e uma unidade viva (árvore). O melhor exemplo interativo entre duas unidades vivas, sexualmente diferentes e da mesma espécie é a reprodução (interação reprodutiva).
Se utilizarmos a Teoria dos Sistemas podemos pensar a Natureza como um grande sistema (Universo), compondo um conjunto de sistemas (galáxias) constituído de sub-sistemas (corpos celestes) que compõem outro sistema (Terra) composto por outro conjunto (Biosfera) que possui mais sub-sistemas (grupos humanos), constituídos de indivíduos que, para terem suas partes funcionando, necessitam de outros sub-sistemas (aparelhos) formados de outros, (órgãos) com funções específicas e que também são constituídos por células diferenciadas (tecidos) que atuam de forma especializada, produzindo substâncias, etc. Se procurarmos, desde o macrocosmo até o microcosmo, o encadeamento desses mecanismos, iremos encontrar os mesmos fatores (interação-integração-função) em qualquer uma das partes dessa extensão. O que chamamos de Ciclo Vital é um complexo conjunto de fenômenos renováveis que possui, para cada parte funcional, um eixo organizador para manter o equilíbrio de todo o sistema.
Essa disposição natural pode ser fruto de uma fonte (ou mais de uma) sobre a qual ignoramos a origem e os objetivos. Admite-se que qualquer modificação antinatural nessa disposição poderá provocar desvios e alterações com resultados perturbadores para o conjunto, ou passíveis de reordenação. Quanto maior o grau de integração entre as partes componentes que um conjunto comporte (diversidade) e quanto menor a ocorrência de desvios entre essas partes, maior será sua estabilidade.
Tropismo e Entropia
O conceito de tropismo6 é um bom exemplo para compreendermos a orientação dada pela Natureza para organizar a interação entre seus elementos constituintes. Dizemos que uma planta possui tropismo positivo para a luz ou para a Terra, quando ela se volta para um ou para outro, no caso de alteramos sua posição inicial. A flor do girassol, por exemplo, está sempre voltada para receber os raios solares da melhor forma possível; se alterarmos a posição da planta, ela naturalmente voltará á posição anterior (heliotropismo). Se colocarmos um vaso com o girassol deitado, paralelamente ao nível do solo, suas raízes farão uma curva para se posicionarem em direção ao centro da Terra (geotropismo).
Este fato nos mostra que, para cumprir uma função, as partes que interagem (flor/luz do sol, raízes/Terra) necessitam funcionar integradas e sintônicas para alcançarem a lógica da sobrevivência e da reprodução. São leis que organizam os mecanismos naturais da Vida.
O termo entropia7 é um exemplo, em contrário, para compreendermos a mesma orientação dada pela Natureza para mostrar que a interação entre seus elementos constituintes necessita de integração e sintonia para cumprir uma função vital. Se o mecanismo natural sofre mudanças consideráveis para pior, dizemos que “o sistema se tornou – negativamente - entrópico”, ou seja, que fatalmente se desorganizará e caminhará para a falência. Visto esquematicamente poderia ser assim:
SISTEMA NATURAL (entropia positiva) | SISTEMA ANTINATURAL (entropia negativa) |

Se retirarmos os ponteiros de um relógio, não mais poderemos marcar o tempo por ele; seu mecanismo continuará funcionando, porém a integração entre o mecanismo e os ponteiros - que empresta a função de visualizar as horas - se perderá. Se cortarmos o tendão de um dedo polegar, certamente perderemos a função de apreender objetos, porque sabemos que o tendão cumpre a função de intermediar o movimento dos dedos.
Analogamente, para viver de modo ativo e em harmonia, as pessoas necessitam obedecer às regras sociais e ecológicas determinadas pelo seu grupo cultural de acordo com as leis da Natureza. Os modos de associar-se é que determinam “a qualidade”8 do comportamento das pessoas em relação ao seu grupo e ao ambiente em que vivem. Se o comportamento é integrador, sintônico e funcional, o sistema vital no grupo e no indivíduo decorrerá de forma natural (comportamento ativo/ associação equilibrada); se o contrário acontece teremos um sistema entrópico, o que caminha para a extinção (comportamento reativo/ associação desequilibrada).
Associação humana entrópica ou desequilibrada é aquela que perdeu seu Eixo Cultural, isto é, perdeu o conjunto de regras, hábitos e costumes que mantêm a qualidade dos comportamentos, a coesão e harmonia dentro do grupo e fora dele (no ambiente). Nesse tipo de associação as pessoas se tornam reativas (portadoras de comportamento reativo). Visto esquematicamente poderia ser assim:
Individualismo/Isolamento | Desintegração | Disfunção/Reação/Conflito |
![]() |
Interação, comportamento e desvios
Chamamos de “interação” a uma forma universal de relação que ocorre entre as partes componentes de um sistema e que segue as leis naturais. Esse sistema poderá ser o Universo, a Terra, uma sociedade animal ou vegetal ou o nosso próprio corpo ou mente.
Chamamos de “comportamento animado” a uma forma particular de relação que ocorre entre as partes componentes de um sistema e que segue as leis naturais, composto de seres vivos (animais ou vegetais). Essa resposta é geralmente originada pela constituição genético-instintual das partes, frente aos estímulos internos e externos.
Chamamos de “comportamento humano” a uma forma especializada de relação que ocorre entre os seres componentes de um sistema cultural humano e que nem sempre segue as leis naturais (sociedade humana). Essa forma especializada determina uma ampla diversidade de culturas e comportamentos. Isso ocorre devido à “natureza avançada” dessas relações, onde atributos como: sentimentos, princípios e valores estão agregados às relações com o grupo e com o ambiente. Esses atributos podem modificar individualmente a resposta a um mesmo estímulo. O livre-arbítrio, aprendizagens diferenciadas e os estados reativos (comportamentos reativos) podem alterar as respostas. Visto esquematicamente poderia ser assim:
Interação (forma universal de relação)
Comportamento Animado (forma particular de relação: animais ou vegetais)
![]() (forma normal de relação) ![]() (forma desviada de relação) ![]() |
Os desvios no comportamento humano se dão em condições antinaturais, quando sua sobrevivência, seus direitos, seus desejos pessoais (liberdade) e sua necessidade de conviver harmoniosamente em grupo encontram-se limitados ou alterados pela organização social, refletindo-se para a mente e produzindo comportamentos alterados. A esses desvios de comportamento chamamos de Comportamento Reativo.
Costumamos confundir “comportamento normal” e “comportamento violento”. Chamamos de “feras” aos animais que matam outros animais para sobreviver. O ataque de uma onça à sua presa, por exemplo, vemos como ato violento e injusto. O instinto predador dos carnívoros protege sua sobrevivência e é movido por seus instintos. Na verdade, esse ato é perfeitamente natural e serve a diferentes funções do equilíbrio natural entre felinos. O espaço vital necessita de “desbastes” periódicos das populações animais e vegetais para que a Vida possa circular sem problemas. Os seres vivos nascem para viver e reproduzir, mas não podem ocupar o espaço vital indefinidamente. Morrem para ceder espaço a outros que nascem!
Podemos pensar a violência como uma anomalia na interação humana; como subproduto das relações instáveis entre pessoas e entre grupos de pessoas. Indivíduos portadores de comportamentos reativos podem produzir violência, assim como o desequilíbrio das relações sociais num grupo pode originar comportamentos reativos nos indivíduos.
Os comportamentos podem sofrer desvios quando os mecanismos naturais são alterados por circunstâncias ambientais (enchentes, superpopulação e catástrofes naturais) ou provocados artificialmente pelos homens (guerras, poluição, alterações da organização social). Todo animal quando experimenta situações com as quais não está adaptado, atua reativamente na tentativa de readaptar-se ou mudar a situação alterada. Nesses períodos sua agressividade altera-se em qualidade e intensidade, podendo produzir o que conhecemos como destrutividade. Essa alteração poderá retornar a normalidade desde que cessem os fatores que a iniciaram, fazendo com que os distúrbios transmitidos para o sistema também se atenuem ou desapareçam.
A origem da destrutividade
Pode parecer incrível, mas os primeiros registros cerebrais, no plano relacional, que os homens (e os outros animais) possuem são destrutivos. A destrutividade é a matriz da sobrevivência; a agressividade natural é sua expressão, na interação entre os indivíduos. Na verdade a agressividade natural é função - de todo ser vivo - dirigida para a sobrevivência no convívio entre as espécies. Um homem ou animal que não usa sua agressividade natural tende a enfraquecer e morrer.
A agressividade normal é como se fosse um treinamento primitivo e grosseiro da destrutividade, que tenta buscar equilíbrio adaptativo. Todo animal é naturalmente agressivo, mas nem sempre é destrutivo. O que intermedia esse processo nos animais são seus instintos. Enquanto alguns cuidam dos filhotes arriscando a própria vida (instinto maternal ou paternal), outros os devoram (canibalismo). Alguns tipos de cobras devoram seus filhotes logo após o nascimento. A capacidade de fugirem imediatamente para um abrigo salva suas vidas. Entre os humanos a destrutividade também ocorre em situações especiais (desvio instintual), sobretudo quando o indivíduo está submetido a uma forte condição reativa (forte tensão). Quando a mãe mata o filho em estado de eclampsia, a destrutividade se sobrepõe ao instinto maternal. Quando acometido por uma crise de automatismo epiléptico qualquer indivíduo pode matar quem estiver próximo (estado alterado da consciência). Quando um pai mata o filho para defender sua própria vida, entra em ação a parte destrutiva da sua agressividade natural (autodefesa). Esquematicamente poderia ser assim:
destrutividade (matriz)
agressividade natural (autodefesa, readaptação) Comportamento Ativo (agressividade natural - estado de consciência normal) ![]() (reatividade - consciência alterada, desvios do psiquismo) |
A destrutividade é a matriz bruta; a agressividade natural é o resultado de um ato processado pelo cérebro através da aprendizagem social (socialização). O que intermedia as duas coisas no animal são os instintos. No caso do homem os instintos também podem produzir atos violentos, dependendo do seu estado de consciência. Na maioria das vezes o homem usa recursos especiais para intermediar seus impulsos agressivos. Os sentimentos, os princípios, os valores, a religiosidade, o discernimento, entre outros tantos, são utilizados para processar os estímulos e resultar na ação (comportamento). A socialização dos impulsos agressivos é condição essencial para a vida em grupo. Vários sentimentos podem originar impulsos agressivos (ódio, raiva, irritação, humilhação, etc.) dependendo de como são processados pelos centros superiores cerebrais e da sua carga reprimida. Essa carga (reatividade) pode ser reprimida, atenuada, deslocada ou sublimada. Dependendo da direção que tome, sempre haverá um resultado final. Vejamos alguns exemplos:
Reatividade reprimida – alternativas:
· Acumula tensão, aumentando a reatividade existente.
· Ao atingir certo limite, explode num ato destrutivo Ex. homicídio, suicídio, acidente vascular cerebral (AVC)
Reatividade atenuada – alternativas:
· Expressa-se através de comportamentos agressivos leves. Ex. agressão verbal (debate acalorado)
· Expressa-se através de comportamentos agressivos médios. Ex. agressão física (luta)
Reatividade deslocada - alternativas:
· Expressa-se através de comportamentos substitutos. Ex. chutar um gato, ao invés de agredir o chefe.
Reatividade sublimada - alternativas:
· Expressa-se através de comportamentos sublimados. Ex. o cirurgião corta os tecidos ao invés de esfaquear.
É necessário praticar a destrutividade para podermos passar para a fase seguinte - a construtividade. Essa passagem se dá na fase infantil quando se inicia a socialização dos instintos. É comum o bebê morder o seio da mãe durante a amamentação. Crianças pequenas costumam morder ou bater nos menores, quebrar brinquedos ou objetos. Brigas entre crianças são aprendizagens que ajudam a desenvolver a autodefesa e a socialização, se forem compreendidas pelos adultos como matéria-prima de aprendizagem social.
Um exemplo ocorrido numa sociedade Ianomami:
Quebrando Panelas
Uma índia fazia panelas de barro à porta de sua oca. Eram enfeitadas de um lado com cabeça e bico de pássaro e de outro lado com um rabinho. Seu filho de um ano assistia esse trabalho e, logo que sua mãe terminava uma panela, ele imediatamente quebrava a cabeça e o rabinho. Ao terminar outra panela ela repetia o mesmo gesto e seu filho tornava a quebrar a cabeça e o rabinho. Isso já tinha se repetido tantas vezes que o missionário branco resolveu perguntar: - Por quê você não faz só o corpo da panela e deixa para colocar a cabeça e o rabinho quando ele não estiver presente ?
Ela respondeu calmamente: - Porque ele gosta de quebrar as panelas com cabeças e rabinhos !
Comentário:
Todo ser humano nasce com potencial destrutivo. Toda criança é naturalmente destrutiva: morde, bate e quebra. Só aprende a construir a partir de experiências primitivamente destrutivas. Depois que atua destruindo, passa para uma outra fase de socialização da agressão: aprende a reparar e construir. Supomos que a índia já sabia intuitivamente dessa evolução natural dos instintos humanos e deixava que seu filho completasse naturalmente essa primeira fase. Como sua cultura valoriza pouco o objeto material, ela poderia estar valorizando o desenvolvimento normal do filho, mesmo sem saber dessas questões da psicologia humana.
Vemos muitas vezes crianças maiores ajudando suas mães a enfeitar suas panelas, a tecer cestos e a fazer tarefas domésticas, sem serem solicitadas. E nós, os civilizados, como reagimos nessas situações?
O comportamento destrutivo é multifatorial?
É necessário saber quais fatores estão direta ou indiretamente ligados a destrutividade e como eles funcionam nos seres com vida.
Seria estranho ouvir alguém dizer que um determinado vegetal é destrutivo ou agressivo; ou uma bactéria, uma ameba. Nosso conceito de comportamento está condicionado a observar mais os comportamentos animais; aqueles que possuem movimentos que possam ser vistos por nós.
Esses fatores que auxiliam ou perturbam o equilíbrio interno dos indivíduos e interferem nos seus comportamentos poderiam ser sistematizados – para efeito de com preensão – em grupos que se apresentariam como:
- Fatores internos
- Fatores externos
- Fatores ambientais
Fatores internos
Poderíamos imaginá-los como aqueles que constituem nosso corpo (biológico) e nossa mente (virtual). O órgão que comanda esse conjunto é o cérebro. Seu funcionamento integra as duas partes permitindo que cada indivíduo seja percebido como uma unidade individual no continente social. As duas partes – a biológica e a virtual – necessitam estar bem constituídas para apresentarem o que conhecemos como comportamento normal.
Qualquer anomalia na estrutura cerebral, desde as mais leves até as mais graves, pode expressar um comportamento diferenciado. É comum a existência de doenças e más formações que afetam esse órgão e determinam os mais diferentes tipos de limitações e comportamentos desviados daquilo que consideramos normal.
Começamos a perceber que estamos num terreno bem complexo que exige uma conformação orgânica bem estruturada e funções que operem de maneira organizada; tudo isso para produzir um resultado satisfatório – o comportamento.
Por outro lado também sabemos que esse órgão e suas funções passam por um desenvolvimento embriológico que depende de outro organismo - o materno - para determinar a sua integridade e qualidade de funcionamento futuro. Após o nascimento do indivíduo, esse órgão necessita de aperfeiçoamentos (cuidados) para completar seu desenvolvimento completo. Essa longa caminhada para a maturação se dá no interior de um grupo social primário que denominamos de “família”.
Fatores externos
Ao cérebro também compete coordenar o mundo interno (virtual) que conhecemos como “a mente”. Para compreendermos essa relação se faz necessário definir os conceitos de: cérebro, mente, modelo cultural, comportamento e lógica. Primeiro precisaríamos admitir que o cérebro fosse um computador biológico e que a mente ou psiquismo, um programa que “roda” nele; que o faz funcionar. Podemos admitir comportamento como o resultado final de solicitações internas e externas a que estamos submetidos a todo o momento. Não podemos esquecer a parte inconsciente que influencia fortemente o comportamento.
Após o nascimento o individuo passa de uma fase de dependência preponderantemente vegetativa para dar início as suas primeiras aprendizagens que o ajudarão a desenvolver a autodefesa e a socialização. A aprendizagem social se inicia no “núcleo afetivo primário” que chamamos de família.
Aprendizagens individuais
O molde familiar e sociocultural - com suas lógicas - influencia fortemente o comportamento desde os primeiros passos da caminhada social do homem. Temos que admitir que vivemos num mundo de códigos e convenções.
- Que objeto é este que está em cima do bloco de papéis na sua mesa?
- É uma caneta!
Agora começamos a perceber que é preciso usar as convenções (nomes) para podermos identificar objetos, pessoas e tudo o mais. Grafia e fonética podem variar conforme o idioma, mas o objeto é o mesmo. Ao olharmos para a caneta simultaneamente já sabemos qual sua função. A mente trabalha com “pacotes de informação”. Talvez, para ganhar tempo e espaço, ela associe num bloco só várias características daquilo que se está vendo: o nome, sua função, cor, forma, dimensão, etc. Quando não conhecemos o objeto utilizamos nossos sensores (tato, olfato, gustação, visão, audição) a fim de obter e “gravar” informações sobre ele. Da mesma forma normas ético-morais precisam ser aprendidas e praticadas, pois são indispensáveis para organizar a convivência.
Cada modelo familiar e cultural tem sua própria lógica. Por exemplo, uma cédula de cem reais pode ser vista pelo civilizado e pelo índio ianomâmi de maneiras bem distintas. Os modelos culturais que influenciaram seus sentimentos, princípios e valores geram estímulos correspondentes às aprendizagens que circulam em cada modelo sociofamiliar. Podemos comparar a lógica que existe num microcomputador com a lógica usada pela mente. No computador, as linguagens usadas pelos programadores são decodificadas e compreendidas pela máquina. Isso origina os comandos que ela executa. Digamos que a máquina “compreende” esses comandos e se “comporta” seguindo a programação projetada. A mente, mais avançada, compreende e executa tarefas muito mais complexas, aceitando ou rejeitando situações conforme seus sentimentos princípios e valores, atributos da sua vontade.
A vontade é um atributo individual complexo que depende de aprendizagens, preferências, discernimento e muitos outros fatores associados.
Quais são essas tarefas muito complexas?
São várias. Cada grupo de tarefas pode estar voltado para necessidades da vida de relação ou da vida vegetativa. O curioso é que as duas atuam interligadas e operam simultaneamente. Por exemplo, se cheirarmos determinada comida, teremos informações se ela está deteriorada, se satisfaz nosso paladar, se a reconhecemos. Estamos consultando arquivos em nosso banco de dados mental sobre experiências já gravadas na “área da alimentação”. Provando, saberemos se está salgada ou insossa. Vendo-a teremos informações sobre seu aspecto. Enfim, tudo é feito em curto tempo e influenciará nossa decisão de comê-la ou não. Isso sem falar em funções mais nobres como pensar e criar novas receitas.
Como estaria funcionando a lógica nesse exemplo da alimentação?
Através de consulta aos arquivos preexistentes. As informações obtidas pelos sensores humanos, no exemplo da alimentação, são avaliadas e interpretadas com base na preferência individual. Enquanto o computador utiliza uma linguagem binária simples como lógica de interpretação de comandos, a mente certamente usa recursos mais complexos. A preferência individual resulta de experiências consolidadas no decurso da vida, através de uma intrincada rede de engramas, onde o inconsciente desempenha um papel relevante. É comum surgir na clínica diária casos em que a pessoa apresenta alta seletividade para alimentos. Em certos casos isso decorre de experiências desagradáveis, relacionadas a certos alimentos, ocorridas no ambiente familiar ou fora dele. Alguém pode ter obrigado essa pessoa a comer coisas que ela não havia decidido por desejo próprio.
A palavra engrama. O que vem a ser isso?
A mente é capaz de guardar registros cerebrais complexos (engramas) de experiências agradáveis ou desagradáveis. Engrama é arquivo multimídia complexo composto de informações de várias naturezas (imagem, som, sabor, odor, textura, etc.) captados pelos órgãos dos sentidos ou imaginados pela criatividade e armazenados na memória. Após serem processados por centros superiores, esses blocos de informações, relacionados entre si, servem como suporte para novas experiências. Esta capacidade possibilita o armazenamento dessas informações no cérebro como se ele funcionasse como um banco de dados relacional avançado, permitindo usos variados e estratégicos dessas aprendizagens através de mecanismos de busca (memória) ou dedutivo-associativos (raciocínio, inteligência). Essas experiências geralmente estão impregnadas de cargas diferentes de energia especial (emoções) que lhe conferem qualidade e força.
Sendo o cérebro constituído de matéria viva, tendo como unidade as células, como explicar seu funcionamento? Em outras palavras, como funciona a mente?
Sabemos muito pouco sobre isso. Essa questão ainda é objeto de pesquisas em vários centros no mundo. Existem muitas hipóteses e poucas certezas. Mas podemos conjecturar. Se admitirmos que a célula seja a unidade da vida e que cada tecido cumpre uma função no corpo pode-se concluir que o tecido nervoso que atua no cérebro possui uma função especializada. O neurônio, por exemplo, apresenta estruturas adaptadas para receber e transmitir informações. Um componente da célula, chamado axônio, se reúne para formar longos fios chamados de feixes nervosos. Esses feixes conduzem informações para diferentes direções. Esse complexo “hardware” cerebral tem sido imitado pela indústria da informática e há estudos sobre as chamadas “redes neurais”, utilizadas para o que chamam de inteligência artificial. O que mais surpreende não é o “hardware”, mas o sistema operacional que o administra - a mente ou psiquismo. Podemos admitir o psiquismo como função do cérebro, atuando como um possante sistema operacional que abriga um conjunto de programas inteligentes (afetividade, sexualidade, sociabilidade, habilidades, etc.) interligados por um circuito neuronal integrado, com possibilidade de desenvolver-se e de alternar e alterar essas ligações com uma configuração administrada pelas aprendizagens pessoais, familiares e culturais. Possui uma notável capacidade para moldar essas configurações de acordo com situações novas (adaptação), operando numa velocidade incrivelmente fantástica (pensamento, reflexos).
Falando sobre “funções cerebrais”, como atuam essas funções?
As funções cerebrais estão dirigidas para duas direções fundamentais: uma interna e outra externa. A interna está orientada para duas outras, uma que cuida da integração do corpo (vida vegetativa) e uma auto-reguladora do próprio cérebro (auto-regulação psíquica) que funciona como “controle e manutenção” do equilíbrio mental. A externa está dedicada às situações que acontecem no meio ambiente (vida de relação). Essas funções se refletem mutuamente, permitindo a comunicação interfaces e proporcionando uma sensação global (estado consciente). O cérebro parece possuir um mecanismo de defesa semelhante ao do corpo (sistema imunológico). Ele seria o responsável em manter, mesmo em estados graves, um registro de segurança (“backup”) da configuração mental sadia. Uma espécie de arquivo anterior ao processo de instabilidade mental, que o faz reconhecer de novo a condição de equilíbrio antes existente. Como nos “softwares”, onde é possível recuperar arquivos após uma instabilidade no sistema, a mente também se reabilita de situações traumáticas. Mas, sobre ela, o que compreendemos ainda se mostra insuficiente.
Aprendizagens sociais
Como funcionam as relações humanas no mundo atual e qual a lógica que permeia essas relações? É possível compreender, diante da complexidade do mundo mental e da lógica sensata, por que a violência atualmente se apresenta de forma tão intensa?
A violência é um conceito e uma prática humana antiga e variável. Antiga porque está presa ao instinto de sobrevivência e variável porque está subordinada ao tempo, à cultura e à interpretação individual. Não que o instinto de sobrevivência tenha de ser obrigatoriamente conduzido pela violência, mas pode tornar-se se houver alterações no ambiente, na mente ou no modelo cultural. É possível admitir dois conceitos que orientam o raciocínio: a um eu chamo de Comportamento Ativo e ao outro de Comportamento Reativo. O Comportamento Ativo atua se as experiências são agradáveis, e se associam a emoções de alta qualidade, como solidariedade e altruísmo, provocando o surgimento de “impulsos ativos” (sinais ativos) que se acumulam no plano inconsciente do psiquismo determinando um caráter construtivo do comportamento individual. O Comportamento Reativo atua quando as experiências são desagradáveis, e se associam a emoções com baixa qualidade, como ressentimento e vingança, provocando o surgimento de “impulsos reativos” (sinais reativos). Os impulsos reativos são impulsos represados que se acumulam no plano inconsciente do psiquismo determinando um caráter destrutivo do comportamento individual, que determina uma agressividade facilmente aflorável, e que conhecemos como: “nervosismo”, temperamento agressivo, neurastenia ou recalque. O represamento ocorre porque um “grupo de informações especiais” (bom senso) indica que a liberação desses impulsos pode causar instabilidade no sistema interno (psiquismo - culpa) e no sistema externo (família, cultura - conflito).
Tenho pensado ultimamente em novas formas de compreender e atuar sobre as alterações do comportamento (“impulsos reativos”), detectá-los e encontrar formas preventivas de impedir ou atenuar seus efeitos no indivíduo e no meio em que vive. Mais a frente iremos expor essas observações.
O que poderia estar originando esses Comportamentos Reativos em nossa sociedade?
A origem dos comportamentos reativos provavelmente se iniciou quando surgiram as primeiras desigualdades sociais no início do processo de civilização e quando o homem percebeu que devia abrir mão de certos impulsos instintivos em favor da vida grupal. As insatisfações represadas e acumuladas determinaram um caráter destrutivo no comportamento individual, que foi transformando agressividade normal em potencial destrutivo. Podemos imaginar que a liberação brusca (explosão) desse acúmulo sairia em forma de violência; uma liberação lenta (elaboração, diálogo, negociação) sairia sob forma de agressividade normal. Exemplo disso está nos conflitos armados entre grupos radicais israelenses e palestinos, católicos e protestantes na Irlanda, indianos e paquistaneses, fora os que ocorreram entre outros povos no passado.
Como se explica que uma sociedade como a nossa, após tantos séculos de tentativas, ainda não tenha conseguido equacionar a questão da convivência?
Penso que todo homem é prisioneiro de suas idéias e experiências, logo, seu campo de observação e sua interpretação estão sempre limitados por elas. Numa entrevista concedida por Jacques Barzun, emérito historiador americano, de origem francesa, ele comenta: “... (no Ocidente) as confissões de mal-estar são contínuas, o repúdio e a deturpação das instituições são uma constante. Tomemos o Estado-Nação como exemplo...”.
Percebo que Barzun limitou suas sábias observações ao mundo civilizado, que não tenha tido oportunidade de compreender como funcionam as sociedades naturais, as suas estruturas político-sociais, econômicas e religiosas e, muito menos, a ideologia que perpassa sua totalidade dinâmica. Há entre nós um costume etnocêntrico: tomamos sempre a civilização ocidental como parâmetro central para todas as nossas análises e reflexões. Ainda não conseguimos equacionar a questão da convivência porque somos socialmente imaturos. Não conseguimos até hoje nos libertar do materialismo e do individualismo que as regras de uma sociedade excessivamente produtiva nos impõem. Acreditamos ainda em ideologias como forma de oposição e superação das nossas imperfeições, mesmo sabendo que as ideologias não interferem nos comportamentos individuais. Somos consumistas onipotentes e infantis. As mudanças poderão surgir quando - a exemplo das sociedades naturais – redescobrirmos um padrão coletivo de convivência, apesar de vivermos em sociedades tão numerosas como complexas, onde só conseguimos até agora desenvolver o conhecimento e a tecnologia.
Parece que o conhecimento e a tecnologia não conseguiram nos ajudar a alcançar a verdadeira sabedoria no convívio. O amontoado de leis que produzimos diariamente é prova inconteste de que ainda convivemos na imaturidade social.
Como sintetizar o que origina o comportamento violento?
Essa é uma tarefa muito difícil. Poderíamos pensar que duas coisas são fundamentais: a destrutividade humana mal resolvida e a perda do eixo cultural. Juntando as duas coisas teremos como resultado a violência. Destrutividade é condição individual e inata. Ela precisa ser lapidada nos primeiros anos de vida para se transformar em agressividade normal, que patrocina a socialização, a convivência normal. Perda do eixo cultural é o estilhaçamento das regras de convivência, a dissociação dos sentimentos, princípios e valores numa sociedade que já não mais reconhece ou usa suas funções coletivas. Quando Pelé disse que o povo não sabe votar, foi muito pressionado por se tratar de uma época de ditadura militar. Foi obrigado a justificar suas palavras. A sociedade civilizada é hipócrita. O povo, além de não saber votar, é o fator mais violento e corrupto da sociedade. De onde vêm os representantes das instituições do Estado? E a violência na família, não poderia ser o embrião da violência social? Quando obtivermos dados estatísticos confiáveis sobre a violência familiar, poderemos tirar as seguintes conclusões: Primeira, o meio familiar poderá ser visto como foco inicial das primeiras aprendizagens destrutivas. Segunda, poderá ser compreendida como formadora e perpetuadora desta situação. A família, se não estou enganado, compõe a massa crítica social. Aquela que influencia o comportamento dos futuros adultos. A influência do Estado, pela qualidade de caráter dos seus líderes, pode ser determinante para incentivar e ampliar comportamentos violentos.
A sociedade civilizada tende a se autodestruir e não há hipóteses alternativas para melhorar a convivência?
Não. Acredito na capacidade humana de mudar, para melhorar a convivência. Porém, as formas de organização social que foram experimentadas com o decorrer da história humana detonaram o que eu chamo de “modelo cultural estável”. Os comportamentos reativos são, em boa parte, resultantes das desigualdades sociais que decorrem dos modelos de organização social existentes nos países civilizados. Imaginar que aquilo que denominamos de “Estado Nacional” é resultado de outras formas de organização social anteriores, que foram se modificando com o tempo, pode nos fazer concluir que ainda não encontramos um modelo social satisfatório. Isso faz lembrar o que disse o líder indígena Marcos Terena: “a civilização de vocês é o exemplo de uma cultura que não deu certo!”. E eu acrescentaria: “...que ainda não deu certo”.
Quais os erros da sociedade civilizada atual?
São tantos... Vamos citar apenas um que tem se perpetuado em quase todos os modelos que existem hoje em dia. Quando uma sociedade se estratifica e se divide em classes sociais, privilegiando algumas delas, em detrimento da maioria dos indivíduos, terá semeado certamente as condições favoráveis para a prática da violência. Não é difícil entender que o homem primitivo sobrevivesse da busca de alimentos que encontrava no meio ambiente. Seu grupo, como possuía normas coletivas de convívio, costumava repartir o produto dessa busca, pois, o fundamento da cultura dos povos, nas economias de subsistência, preservava sentimentos de solidariedade necessários a sobrevivência do grupo. A sociedade civilizada não é uma cultura ou modelo cultural. Nessa sociedade a sobrevivência depende essencialmente em se ter emprego ou dinheiro para mantê-la. Para mim é um agrupamento de indivíduos que competem ferozmente pelo poder, pelo dinheiro e pela fama. Por incrível que pareça, esses conflitos geram lucros para indivíduos, instituições e empresas e, algumas vezes, são forjados e preservados pelos governos e por alguns grupos empresariais com essa finalidade. Vivemos um clima de voracidade e competição, onde os sentimentos de solidariedade, justiça e harmonia não se manifestam nos comportamentos.
Quais as sociedades não estratificadas que conhecemos?
Os índios não aculturados. Eles foram chamados pelo etnólogo Pierre Clastres de “Sociedades sem Estado”. Entre eles não percebemos a existência de comportamentos reativos e, portanto, de violência. Entre eles podemos ainda constatar a existência do que chamo de “modelo cultural estável”. Estão satisfeitos com a vida que levam pela inexistência de privilégios individuais. Suas insatisfações se restringem a algumas arengas individuais e, sobretudo, ao contato com o civilizado, que invade suas terras, transmite doenças e os explora. Entre eles é possível buscar sabedorias que possam influenciar na construção de novas formas de organização social, adaptadas a sociedades complexas como a nossa. Porém ainda existem pequenos grupos sociais isolados onde se percebe certa estabilidade social e que ainda preservam laços sociais, políticos e religiosos que determinam sua coesão.
O que mais chama atenção nessas sociedades não estratificadas?
Costumo dizer que enquanto nós, os civilizados, elegemos o plano material (poder e riqueza), eles elegem o espiritual e o coletivo para conduzir suas vidas. Li recentemente numa revista de grande circulação nacional que os 10% mais ricos da população no Brasil detém metade da renda nacional. A outra metade é disputada ferozmente pelos restantes 90%. Os miseráveis permanecem imóveis e assistem a tudo por estarem excluídos do mercado. Nenhum modelo econômico ou político-ideológico conseguirá mudar esse quadro desumano. Porque as “sociedades civilizadas” são movidas pela lógica do individualismo, da ganância e da mentira. Isso eu não vi nas aldeias indígenas e vi, de forma atenuada, nos pequenos grupos sociais isolados.
E do ponto de vista social e político, o que mais chamou sua atenção?
Numa “sociedade sem Estado”, pouco numerosa, onde a consensualidade substitui as leis, não há autoridades e ninguém dá ordens. A organização política nas comunidades naturais, e, especialmente, o tipo de governo existente é muito diversificado, mas como padrão, nunca está sujeito a instituições e nem a formas centralizadas de poder. É provável que a representação da liderança natural seja o resultado das normas estabelecidas pelo bom senso do grupo sem pressões coercitivas institucionais ou pelo líder. O líder não dá ordens. A lei pode existir sem governo na forma de acordo consensual. Muitas atividades (da representação das lideranças) não se expressam como lei. Entretanto, a própria existência da Lei-Tradição é em si mesma uma expressão de organização política, porque a legitimidade dos atos de um líder é uma expressão de interesse grupal e de consenso grupal. A organização política é mais do que governo, e não é sinônimo de Estado porque o Estado é um fenômeno social especializado, enquanto que a organização política é generalizada e pode ser representada por pessoas, mas pode não ser governada por elas.
A lógica sobre as sociedades não estratificadas toma como base obras escritas sobre índios como “O Bom Selvagem”, de Jean Jacques Rousseau?
Muitas obras escritas sobre índios como “O Bom Selvagem”, de Jean Jacques Rousseau, deturparam e tornaram românticas e irreais a complexa e pouco conhecida diversidade dessas etnias. Quando Rousseau (1712-1778) escreveu essa obra a Antropologia e a Etnologia ainda não existiam como ciência sistematizada. Aliás, muitos doutores e intelectuais que defendem teses científicas, sobretudo os que se autodenominam de “socialistas”, citam sempre esse autor, talvez, quem sabe, por simples sofismas, comodismo ou por se sentirem plenos na matéria. Acredito que também por tentarem desqualificar os estudos mais recentes, pois os ideólogos da utopia socialista detestam concorrência e questionamentos. Mas nunca ficaram durante anos fazendo estudos etnográficos de campo. Sua utopia “socialista” desmoronou com a queda do muro de Berlim, embora continuem vendendo a mesma mercadoria em regiões mais atrasadas do planeta.
Ouvimos muitas pessoas afirmarem que os índios são preguiçosos e indolentes. O mesmo se diz de pequenos grupos humanos que ainda vivem isolados. Não achamos que trabalhar muito seja bom; pelo contrário, achamos uma grande burrice. Aliás, os burros de carga não falam sobre isso, mas de vez em quando empacam.
Trabalhar muito é para as máquinas; trabalhar o suficiente é para os homens; ficar assistindo e sentindo inveja é próprio dos invejosos. Acreditamos que é por isso que os “civilizados” querem eliminar os índios e sua cultura, e os pequenos grupos humanos, para não se sentirem inferiores e irracionais, após terem destruído o seu próprio modelo cultural e ainda não terem podido apresentar soluções concretas para as questões da convivência social equilibrada.
Então de onde se origina a energia ou motivação que move uma sociedade dessas?
Nas comunidades que ainda vivem sob condições naturais o poder emana da Lei-Tradição do grupo (ancestralidade, mitologia, religiosidade), que funciona como uma Constituição, de natureza sagrada e é evocada pelo líder, com freqüência, para ser aprendida pelo grupo, tornando-se consensual. Se o líder não possui poder de mando é porque a comunidade não cria instituições que lhe outorguem essa função de poder. O grupo concede ao líder (chefe) o “prestígio de representação” e lhe nega a “função de poder” para evitar o “abuso de poder” e o aparecimento da violência. Esse é o princípio da liberdade comunitária: tornar o poder impessoal (tradição) para não lidar com a vontade pessoal (coerção). Uma regra social que se organiza sem o Estado.
Então podemos estabelecer um nexo entre o “abuso de poder” e o aparecimento da violência. Isso quer dizer que um tipo de organização social pode ou não servir de terreno fértil para o surgimento da violência, está certo? Como explica esse processo atuando na lógica do comportamento individual?
Sem dúvida, o abuso de poder gera a violência. Tanto na família quanto no espaço institucional do Estado esse abuso pode suscitar a reação individual. Supondo que o acúmulo de insatisfações individuais gere comportamento reativo do tipo destrutivo, poderíamos concluir que os conteúdos psíquicos dos indivíduos numa sociedade ou numa família violenta e injusta possam se tornar fortemente reativas, ou seja, providas de tensões excessivamente acumuladas, que se refletiriam nas relações interpessoais. Em sociedades ou famílias mais justas as insatisfações individuais se resolveriam por consenso - não por leis ou por comandos - e seriam aceitas e elaboradas sem violência, projetando-se também nas relações interpessoais. Todos sabem que as leis, nas sociedades civilizadas, são instrumentos das elites poderosas de qualquer rótulo ideológico. De forma inversa, somos levados a admitir que os conteúdos psíquicos dos indivíduos dentro das sociedades naturais sejam fracamente reativos, isto é, desprovidas de tensões excessivamente acumuladas, propiciando a expressão de comportamentos ativos (construtivos). A utilização habitual de sentimentos, princípios e valores de caráter comum (solidariedade, generosidade, ética grupal), poderia explicar o conteúdo construtivo da conduta e da personalidade dos indivíduos nessas comunidades. Isso diminuiria muito a freqüência dos conflitos. Os povos das sociedades naturais devem ter “descoberto” ou intuído que “todo indivíduo é frágil e o grupo é forte”. Que não é dado ao ser humano o privilégio de conduzir o destino do conjunto social. Nos seus inconscientes deve estar inscrita a seguinte sabedoria: “O homem nunca estará preparado e seguro para lidar com grandes doses de poder sobre os demais”. Podem ter engendrado o poder tradicional para organizar a vida social e delegaram, aos membros mais confiáveis, apenas “o prestígio de representação”. Esse “prestígio” pode se esgotar e o líder ser deposto e esquecido se, ele próprio, se afastar dos preceitos tradicionais. Voltará a ser um cidadão comum e perderá a admiração de todos. Pior punição não pode existir para quem ama o poder.
Estaríamos, então, diante de uma questão fundamental: qual o grau de importância da qualidade da organização sociocultural na determinação da origem dos comportamentos reativos (neuroses, psicoses, violências e desvios de comportamento)? Outro modo de formular a mesma pergunta: as violências, as alterações psíquicas, os desajustes intrafamiliares e os conflitos sociais podem ser combatidos eficazmente através de remédios, de melhorias nos sistemas de saúde, através de novas leis ou pelas atuais e futuras descobertas científicas, sem mudanças dos princípios vigentes nas sociedades civilizadas?
Não acredito em soluções paliativas voltadas só para os sintomas físicos ou sociais. A grande questão é a qualidade da convivência e o bem-estar individual. O melhor modelo social é aquele que exclui privilégios e distribui equitativamente o resultado do progresso; o que usa o cimento da solidariedade para manter a coesão entre indivíduos. Outros acréscimos serão meros acessórios. Todo e qualquer avanço na sociedade humana deve ser autorizado pelo grupo e compartilhado entre seus membros, sem exceções. Estratificação permite privilégios e distribui desigualmente o poder. Mas os radicalismos ideológicos podem anular qualquer esforço para as grandes soluções. Porisso ficaram obsoletos.
Fatores ambientais
A Vida circula e se desenvolve no ambiente. Qualquer tipo de vida só prospera e se reproduz se estiver adaptada a ele. Ele provê os recursos indispensáveis para a perpetuação das espécies.
O ambiente físico, o familiar e o social influenciam o comportamento. A forma, o modo e o comportamento de vida animal dependem de como eles se constituem. Na terra, na água ou no ar a vida se distribui de acordo com a capacidade de adaptação de cada um.
Da mesma forma que os filhos amam seus pais e sentem suas casas como refúgio seguro e agradável - por senti-los como condições de segurança e proteção - os habitantes da floresta, deserto, planície ou montanha, também formam laços afetivos com seus “locus” de origem. Apesar dos terremotos, dos vulcões, das enchentes ou das dificuldades que lhes possam proporcionar, eles são sentidos e ligados a sua própria vida pessoal. Mesmo aqueles que se distanciam das suas raízes originais, guardam sempre o desejo de retornarem a elas.
Para muitos povos o local onde vivem possui a conotação de sagrado e passam a formar o conjunto da sua origem e convivência com tudo que os cerca. A Terra Prometida é o lugar da paz, da segurança e do futuro de um povo, cristalizado no seu inconsciente e permanente na sua rotina.
O lugar contém os recursos econômicos necessários a sobrevivência. Os meios econômicos do lugar representam a sobrevivência e influenciam o comportamento, tornando todos dependentes desses recursos materiais. A dependência e o amor que sentimos pelas pessoas e pelos lugares que nos garantem a vida, representam a forte ligação que sentimos por eles, apesar de nos acreditarmos, algumas vezes, como entidades independentes.
O ambiente físico, o familiar e o social influenciam o comportamento. A preservação deles é tão importante para nós que, muitas vezes, os separamos por compreendê-los como espaços distintos. São como correntes cujos elos se prendem para continuarem sendo correntes.
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